sexta-feira, novembro 28, 2008

será cansaço?

Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
E um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...
Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.

Não. Cansaço por quê?
É uma sensação abstrata
Da vida concreta -
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...

Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.

(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)

Porque oiço, vejo.
Confesso: é cansaço!...

Álvaro de Campos

terça-feira, novembro 11, 2008

Receita para matar um Homem

Aqui. Roubado do Caderno do Saramago.

"Tomam-se umas dezenas de quilos de carne, ossos e sangue, segundo os padrões adequados. Dispõem-se harmoniosamente em cabeça, tronco e membros, recheiam-se de vísceras e de uma rede de veias e nervos, tendo o cuidado de evitar erros de fabrico que dêem pretexto ao aparecimento de fenómenos teratológicos. A cor da pele não tem importância nenhuma.

Ao produto deste trabalho melindroso dá-se o nome de homem. Serve-se quente ou frio, conforme a latitude, a estação do ano, a idade e o temperamento. Quando se pretende lançar protótipos no mercado, infundem-se-lhes algumas qualidades que os vão distinguir do comum: coragem, inteligência, sensibilidade, carácter, amor da justiça, bondade activa, respeito pelo próximo e pelo distante. Os produtos de segunda escolha terão, em maior ou menos grau, um ou outro destes atributos positivos, a par dos opostos, em geral predominantes. Manda a modéstia não considerar viáveis os produtos integralmente positivos ou negativos. De qualquer modo, sabe-se que também nestes casos a cor da pele não tem importância nenhuma.

O homem, entretanto classificado por um rótulo pessoal que o distinguirá dos seus parceiros, saídos como ele da linha de montagem, é posto a viver num edifício a que se dá, por sua vez, o nome de Sociedade. Ocupará um dos andares desse edifício, mas raramente lhe será consentido subir a escada. Descer é permitido e por vezes facilitado. Nos andares do edifício há muitas moradas, designadas umas vezes por camadas sociais, outras vezes por profissões. A circulação faz-se por canais chamados hábito, costume e preconceito. É perigoso andar contra a corrente dos canais, embora certos homens o façam durante toda a sua vida. Esses homens, em cuja massa carnal estão fundidas as qualidades que roçam a perfeição, ou que por essas qualidades optaram deliberadamente, não se distinguem pela cor da pele. Há-os brancos e negros, amarelos e pardos. São poucos os acobreados por se tratar de uma série quase extinta.

O destino final do homem é, como se sabe desde o princípio do mundo, a morte. A morte, no seu momento preciso, é igual para todos. Não o que a precede imediatamente. Pode-se morrer com simplicidade, como quem adormece; pode-se morrer entre as tenazes de uma dessas doenças de que eufemisticamente se diz que “não perdoam”; pode-se morrer sob a tortura, num campo de concentração; pode-se morrer volatilizado no interior de um sol atómico; pode-se morrer ao volante de um Jaguar ou atropelado por ele; pode-se morrer de fome ou de indigestão; pode-se morrer também de um tiro de espingarda, ao fim da tarde, quando ainda hà luz de dia e não se acredita que a morte esteja perto. Mas a cor da pele não tem importância nenhuma.

Martin Luther King era um homem como qualquer de nós. Tinha as virtudes que sabemos, certamente alguns defeitos que não lhe diminuíam as virtudes. Tinha um trabalho a fazer – e fazia-o. Lutava contra as correntes do costume, do hábito e do preconceito, mergulhado nelas até ao pescoço. Até que veio o tiro de espingarda lembrar aos distraídos que nós somos que a cor da pele tem muita importância."

segunda-feira, novembro 10, 2008

A felicidade Exige Valentia

A propósito de algo que me relembraram

Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise. Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e tornar-se um autor da própria história. É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma. É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida. Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um "não". É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.

Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo…"


Fernando Pessoa

sexta-feira, novembro 07, 2008

Na Luz nada de novo... ou talvez não.

Quinta 6 de Novembro, Estádio da Luz recheado (mais de 46.000 almas) para ver o seu clube, o seu Benfica em mais uma esperada noite de glória europeia. Adeptos esperançados e cheios de sí e do seu Benfica (afinal já há algum tempo que não estavamos à frente de tripeiros e lagartos em simultâneo, e o passe de Aimar para o golo de Suazo fazem sonhar qualquer um).

Aos primeiros minutos de jogo dois calafrios e os turcos quase a marcar.... o povo é sereno, mas começam os primeiros comentários dos habituais treinadores de bancada: "assim que vi o onze vi logo que isto ia ser assim: mas porque é que só estamos a jogar com dois médios..."

O Benfica serena e fica por cima do jogo.... Suazo remata cruzado e não faltaram as certezas: "parece mesmo o Eusébio...";

O público entusiasma-se mas o jogo fica morno e voltam as ladainhas: " o que é que o treinador está a fazer no banco, o homem não vê que não estamos a jogar nada.... o Aimar e o Carlos Martins tem que entrar, isso é certo..." A primeira parte termina num misto de esperança ("ainda vamos ganhar isto") e de certezas ("já vi tudo, estes tipos embandeiram em arco e agora ainda me vão perder isto").

Começa a segunda parte, nos 11 nada de novo e, dando voz às certezas de alguns ao intervalo, os turcos marcam. Suazo falha um passe e deixa de ser Eusébio para ser " o cabrão do Preto não sei o que é que lá está a fazer". Aimar entra, também Cardozo e finalmente Carlos Martins. O Benfica não joga, os turcos marcam o segundo... o senhor sentado ao meu lado (senhor é só por educação) diz mal de todos os jogadores da equipa (xulos da merda, julgo que foi das expressões mais usadas), a 10 minutos do fim levanta-se e vai-se embora, com ele sai mais de meio estádio. há coisas que não mudam no Estádio da Luz.

O Árbitro apita para o final. A equipa vai ao centro e o público ainda presente aplaude. Há coisas que estão a mudar.

Ao chegar a casa, o rádio passa a conferência de imprensa de um Senhor ( e Aqui senhor por respeito e admiração). Quique Flores explica a derrota, diz o que falhou: más decisões na hora de passar a bola, constantes perdas na transição defesa ataque que foram partindo os blocos, elogia os jornalistas - vcs tem bom nivel e sabem entender isto, sempre que uma equipa perde a bola no momento de transição é mais dificil reconstruir o bloco, quando isso está constantemente a acontecer a equipa termina partida - fala das substituições, da inspiração dos artistas e do trabalho que ainda tem pela frente. Sorrio ao pensar naquela que seria a explicação de Fernando Santos, Camacho ou mesmo Fernando Chalana. E sei que algo está a mudar na Luz.

SL Benfica. Yes we Can! :)